Primeiro começo dizendo que não é tudo que Morrison escreveu
do Batman que eu não gosto. Adoro sua história Asilo Arkham, um graphic novel
que coloca o Homem-Morcego dentro da instituição a pedido dos detentos, que fizeram
vários funcionários e médicos como reféns. A forma como a loucura é retratada,
tendo a história dos Arkham contada em paralelo, foi muito bem escrita e muito
bem elaborada. Não é uma viagem insana do roteirista pelo universo do Batman,
mas sim colocá-lo dentro de uma parte da insanidade do seu universo. Mas quando
lhe dão liberdade na linha mensal do personagem, isso tomou outro corpo.
Bem, sabemos que o Batman tem anos de histórias, das mais
sombrias as mais estapafúrdias que se tem notícia. Partes dessas sandices foram
publicadas em um período que o Batman perdera sua identidade graças ao
famigerado Fredrich Wertham
e seu amaldiçoado Seduction of The Innocent. O livro criava um pseudo-homossexualismo para
o Batman, graças a sua relação de "pai e filho" - neste caso tutor e
tutelado - que era apresentado em algumas histórias. Isso levou a coisas boas e
outras absurdamente ridículas. Das boas foi à criação de personagens como
Bat-Woman e sua sobrinha, a Bat-Girl. O sempre vigilante Ás, o bat-cão. E de
absurdas tínhamos O Clube de Heróis ou Batmen de Outras Nações, as viagens
dimensionais, onde o Batman conheceu figuras como o Batman de Zur En Arrh e o
Bat-mite (aqui ficou conhecido como Bat-mirim ou Duende-morcego), e tantas
outras extravagâncias que seria necessário outra matéria para citar. Isso durou
metade dos anos de 1950 e todos os anos de 1960, principalmente durante a época
do seriado do Batman (1966-1968).
Então
a partir da metade de 1969, o roteirista Frank Robbins (1917-1994) já buscava
trazer um tom mais sombrio a revista Detective Comics. Essa mudança, na revista
Batman, só veio a acontecer em fevereiro de 1971, pelas mãos do roteirista
Robert Kanigher (1915-2002). Eles começaram algo que depois se tornou um passo
para trazer o Batman as suas origens, com histórias beirando o sobrenatural,
sempre agindo como um detetive e à noite. Foi quando o roteirista Dennis O’Neil
assumiu o roteiro de Batman que isso se tornou definitivo. Então as loucuras
começaram a desaparecer, principalmente as viagens dimensionais, e personagens
mais sombrios surgiam ou retornavam como Morcego Humano, Crocodilo, Espantalho
e Duas Caras. Nada mais de Clube dos Heróis e qualquer outra extravagância,
mostrando que Batman é um vigilante solitário e que seus parceiros somente são
aqueles que residem, como ele, em Gotham City. Sim, ele ainda tinha um grupo
que formara, os Renegados, mas não era um membros tão atuante no grupo, apenas
os juntara para salvar Lucius Fox, quando a Liga da Justiça não quis ajuda-lo.
Em
1985, os roteiristas Marv Wolfman e Robert Greenberger decidiram mudar tudo na
DC Comics criando “Crise nas Infinitas Terras”. Várias ideias estabelecidas nos
anos anteriores seriam esquecidas, pois somente uma Terra existiria. Foi uma
minissérie de 12 partes que tiveram baixas significativas entre personagens dos
quadrinhos, entre elas Kara Jor-El, a Supergirl, e Barry Allen, o segundo
Flash. Um pouco antes do fim de “Crise nas Infinitas Terras”, em fevereiro de
1986, o roteirista e desenhista Frank Miller criou “Batman: O Cavaleiro das
Trevas”.
Em
“Batman: O Cavaleiro das Trevas”, Miller decide retratar um Bruce Wayne bem
mais velho, aposentado de sua carreira de vigilante há 10 anos, após a morte de
Jason Todd. Na minissérie de quatro partes, o roteirista estabelece algumas
ideias que viria a usar no futuro, como a forma de Bruce encontrar pela
primeira vez a caverna e o filme “Zorro” que ele e seus pais assistiam no dia
em que Bruce os perdeu (o personagem de Johnston McCulley (1883-1958) serviu de
inspiração para Bill Finger e Bob Kane criarem o Batman).
Em
fevereiro de 1987, após o sucesso de “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, Miller
reinicia a história de Batman na minissérie de quatro partes “Batman: Ano Um”.
Nela várias coisas se tornam parte do cânone do personagem, a forma como
descobrira a caverna pela primeira vez, o filme “A Marca do Zorro” como a
película que ele assistira na noite em que seus pais foram assassinados (ambos
já usados, anteriormente, em “Batman: O Cavaleiro das Trevas”), sua viagem para
treinar, sua cumplicidade com Alfred, sua capacidade de disfarçar, sua parceria
com James Gordon, que viera de Chicago para se tornar policial em Gotham City.
Em maio do mesmo ano, em consequência da minissérie “Lendas” (1986-1987),
Batman integrou a Liga da Justiça reformulada. Além dele, tínhamos J’onn
J’onzz, o Caçador de Marte, Senhor Milagre, Oberon, Canário Negro II, Doutora
Luz, Besouro Azul, Senhor Destino, Capitão Marvel (Shazam) e Guy Gardner, o
Lanterna Verde IV. A integração de Batman no grupo foi devido sua popularidade,
assim Keith Giffen e J.M. DeMatteis puderam usar um dos personagens da Trindade
DC, já que Mulher-Maravilha estava em processo de integração por George Pérez e
John Byrne vinha trabalhando novos aspectos do Superman.
Em
setembro de 1987, o roteirista Mike W. Barr escreveu “Batman: O Filho do
Demônio”, uma história do Batman onde ele se une a Ra’s Al Ghul para enfrentar
o General Yossid. Durante essa aliança, ele termina dando sequência ao seu
romance com Talia Al Ghul, filha do terrorista imortal. Ao final da história, ao
descobrir que Talia está esperando um filho seu, Batman planeja permanecer como
apoiador de Ra’s, mas durante a batalha final, Talia diz que perdera a criança
e o Cavaleiro das Trevas retorna à Gotham, amargurado. Só que a criança é dada
para adoção e criada por outras pessoas. Essa história foi dada como uma
história da linha “Elseworlds” (aqui no Brasil é conhecida como Túnel do
Tempo), pois era inimaginável Batman aceitar as ações de Ra’s, mesmo por um
filho. Sem contar que, na época, o cânone do personagem vinha se formando e a
história não funcionaria dentro dele.
Em
novembro de 1989, surge a revista “Batman: Legends of the Dark Knight”, que
começa a definir o cânone do Batman. Todo seu treinamento, seu sofrimento, sua
busca por uma melhora física e mental é retratada na revista. Vários foram os
roteiristas que trabalharam nas revistas, mas principalmente Dennis O’Neil
estabeleceu esse cânone (Grant Morrison também participou escrevendo "Gothic").
Em
maio de 1996, Mark Waid fez uma visita à linha Elseworlds e criou “Reino do
Amanhã”. Nele os super-heróis estão aposentados, dando lugar a novos super-seres
que não sabem respeitar a vida humana comum. O ponto crucial é a destruição do
Kansas quando o corpo de contenção do Capitão Átomo se parte e sua energia
atômica destrói a cidade e todos que nela residem. Isso faz com que Superman e
Mulher-Maravilha reúnam uma nova Liga da Justiça e encarcerem os novos super-seres
em uma super-prisão chamada de O Gulag. Contra eles, Batman se une a Frente de
Libertação da Humanidade, liderada por Lex Luthor. Além de vários super-vilões e
o Capitão Marvel (hoje conhecido somente como Shazam), tinha Ibn al Xu’ffasch,
que era ninguém menos que o filho bastardo de Batman e Talia Al Ghul de “O
Filho do Demônio”. Ibn havia substituído seu avô na liderança da Liga dos
Assassinos.
Em dezembro
de 2005, o roteirista Geoff Johns inicia outra saga da DC Comics, “Crise
Infinita”. Nela, os sobreviventes da Crise nas Infinitas Terras, Superman e
Lois Lane (Terra Dois), Superboy (Terra Primordial) e Lex Luthor (Terra Três),
observam o rumo que a Nova Terra vem tomando, sem poder interferir. Manipulado
por Lex, Superboy então soca o tecido temporal, alterando vários fatos e
acontecimentos, dentre eles a morte de Jason Todd e o filho do Batman com
Talia. Então em setembro de 2006, surge Grant Morrison com sua minissérie “Batman
e Filho”, onde ele introduz Damian Head.
Em
uma declaração, um tempo depois de “Batman e Filho”, Morrison disse:
“Por um longo tempo,
[DC] disse [Filho do Demônio] estava fora de continuidade. Agora é só meio fora de continuidade. Eu realmente não li antes que começar a escrever [Batman e Filho].
Eu errei um monte de detalhes,
como Batman não estava
drogado quando ele estava fazendo
sexo com Talia e ela não teve lugar no
deserto. Eu estava contando com
memórias trêmulas. Mas agora temos esta nova continuidade ‘Soco do Superboy’.
As pessoas ainda não percebem o quão
importante que único soco devia cobrir o traseiro de todos”.
Sua
declaração foi aceita de braços abertos por muitos, mas percebe-se algo nela
que simplesmente é infeliz. ELE NÃO LERA “Batman: O Filho do Demônio”. Daí
podemos concluir que o cara inventa moda porquê gosta de inventar e todos
aceitam numa boa, sem questionar, sem pestanejar. Ele distorce ideias, distorce
conceitos que outros roteiristas buscaram esquecer, somente por que ELE não
acha certo serem esquecidos.
A
ideia de colocar Damian foi uma das milhares coisas que ele pensou serem ideais.
Em “Batman e Filho”, Morrison decide que a Liga dos Assassinos desvenda a
fórmula do Dr. Kirk Langström e cria um exército de Morcegos Humanos Ninjas.
Ele segue em frente com essa ideia e cria o Comando de Morcegos Humanos, todos
a serviço de Talia Al Ghul. Ainda cria os Três Fantasmas do Batman, composto
por Bat-Bane, Bat-policial e Bat-demônio, pessoas que sofrem experimentos do
Dr. Simon Hurt. Daí começamos a nos aventurar no período do Batman que
preferíamos esquecer.
Dr.
Hurt era um personagem criado na fase... estranha do Batman. Ele era um
cientista que submete o Homem-Morcego a um experimento militar secreto. O
grande lance dessa história é que o Batman se submete a esse experimento
voluntariamente... er... tá, vamos em frente. Em agosto de 1990, Peter Milligan
chega a citar o Dr. Hurt como um adorador do demônio do século XVIII na
minissérie “Cavaleiro das Trevas, Cidade das Trevas”, onde ele faz parte de um
grupo que busca trazer um demônio de volta e fazem sacrifícios para isso. Anos
depois, o Charada busca imitá-los, de forma insana, usando o Batman para isso.
Então Morrison o traz de volta como líder da organização Luva Negra, que é
formada por pessoas ricas de má índole.
A
partir daí as loucuras se iniciam quando Morrison escreve “A Ilha do Sr. Mayhew”,
trazendo de volta o Clube de Heróis ou Batmen de Todas as Nações. Depois ele
escreve “A Ressurreição de Ra’s Al Ghul” (eu nem sabia que ele havia morrido),
onde apresenta Sensei (personagem criado por Neal Adams na história do
Desafiador em Strange Adventures #215 (dezembro de 1968)) como pai de Ra’s Al
Ghul. Em fevereiro de 2008, ele tráz de volta Bat-mite na revista Batman #672.
No mês seguinte ele começa o que viria a iniciar a minissérie “Batman: Descanse
em Paz” (junho a dezembro de 2008), onde ele mata o Batman ao final, mas não
completamente contente com isso, decide trazê-lo de volta e mata-lo, pela
segunda vez em pouquíssimo tempo, em Crise Final, minissérie que ele escreveu
para a DC Comics entre julho de 2008 e março de 2009.
Em
junho de 2009, após a minissérie “Batalha Pelo Capuz”, Morrison começa a
escrever a revista Batman & Robin, onde Dick Grayson assume o papel de
Batman e Damian Wayne é o novo Robin, onde ele injeta todas as extravagâncias
possíveis e imagináveis, como o Professor Porco (personagem que ele criara na
Batman #666 (julho de 2007)) e Sr. Sapo, ambos membros do Circo do Estranho.
Em
maio de 2010, mais de um ano depois de matar o Homem-Morcego pela segunda vez
em menos de três meses, Morrison inicia o retorno de Bruce Wayne em Batman
& Robin #10. Usando a ideia que Superman havia enviado o Homem-Morcego ao
passado (uma cena ao final de Crise Final aponta à isso) e com conceitos de
viagem temporal e tudo o que ele tem direito, Grant Morrison faz com que Batman
ande por vários momentos do passado até se fixar no local e tempo que ele
encontra seus tutelados e seu filho, daí decide criar a Corporação Batman, onde
o Clube de Heróis integra em peso, além de surgir outro morcego, o Batwing, o
Batman da África.
Bem,
isso resume (tá, o texto tá bem longo!) a passagem de Morrison pelas revistas
do Batman. Aí você volta a me perguntar o meu motivo de não gostar de Morrison
junto ao Batman.
Vamos
lá, Grant Morrison, mesmo fazendo uso de forma a usar o psicológico do
personagem, ele usa artifícios como drogas. Ele não busca manipula-lo
mentalmente, esgotá-lo fisicamente, ele droga o Batman para que ele fique fora
de si. Tá, ele usa Batman
de Zur En Arrh e o Bat-mite como alucinações, mas para isso o personagem
precisa estar sendo manipulado por drogas alucinógenas? Faça-me o favor. Para
Morrison tudo corresponde a isso, a drogas, aparentemente. Ele acreditava que
Batman somente teve relações sexuais com Talia por que ela o drogara
(lembrem-se, ele não lera “Batman: O Filho do Demônio” antes, então supôs isso...
e, possivelmente, não leu Reino do Amanhã, por isso nomeou o menino como Damian
(meio que assemelhando o nome com o do filme “A Profecia”... Filho do demônio... entenderam?)), que Batman somente
podia ser vencido se fosse drogado. Existem tantas outras formas geniais de se
vencer o morcego, mas ele não pensou em nenhuma outra que não fosse drogas.
Ele
traz de volta conceitos como o Clube de Heróis, Batmen de Todas as Nações, além
de criar Corporação Batman, financiada por Bruce Wayne... como assim? Tá, o
Batman é membro da Liga da Justiça, iniciou os Renegados, tem vários aprendizes
que iniciaram como Robin: Asa Noturna, Capuz Vermelho e Robin Vermelho, além de
personagens como Oráculo, Batgirl, Batwoman, Caçadora e Salteadora. Só que
chegar ao ponto de manter uma corporação que leva o seu nome e sair pelo mundo
selecionando pessoas para se tornarem... um Batman? Sinceramente, não faz
sentido.
A ideia inicial do personagem é que ele somente existe como uma lenda
urbana em Gotham. Quando integra a Liga da Justiça, tem o objetivo de ampliar
sua forma de justiça, quando forma os Renegados, busca resgatar Lucius Fox e
libertar a Markovia da tirania, quando adota seus tutelados, busca dá-los uma
nova chance, para que cada um dele escolha seu próprio caminho. Nunca é
totalmente claro o financiamento das Empresas Wayne por trás de cada um desses
grupos, mesmo que ocorra. Já uma corporação onde, claramente – pelo menos é o
que nos passa – as Empresas Wayne é a financiadora direta. Por que não coloca
um cartaz na testa escrevendo “Bruce Wayne é o Batman”... só faltava ter uma
conta no banco para pagar os salários dos funcionários... PQP.
Podem
me chamar de enjoado, de chato, de implicante, mas antes de Grant Morrison
entrar nas revistas do Batman, mesmo não estando em uma fase das melhores,
estava com histórias que faziam sentido ao cânone do personagem.
Suas
histórias poderiam até fazer algum sentido ao final, mas a forma como ele transcorreu,
como ele as desenvolveu, foi um caminho muito turbulento. Não tinha necessidade
de levá-lo aos anos de 1950 e 1960, trazer ideias e conceitos que estavam
defasados e ridículos, além de amplia-lo desnecessariamente. Não tinha
necessidade de trazer uma realidade de volta, somente para introduzir o filho bastardo do Batman. ELE NÃO TINHA NEM IDEIA DO SURGIMENTO DESSE PERSONAGEM!!! Se
soubesse trabalhar com personagens que existem, sem criar elementos
desnecessários, talvez ele tivesse enriquecido o universo de Batman como fizera
em “Asilo Arkham” anos antes. Naquela época ele soube usar o que tinha, sem
criar em demasia e exageros calamitosos. Ele usou elementos do cânone do
Batman, trabalhando a loucura, sem uso de entorpecentes, somente a insanidade,
pura e simples.
Não
considero Grant Morrison um péssimo roteirista, mas acho que ele e Batman não
deram certo.
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