Translate

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Violência nos quadrinhos… isso procede?

Publicado no grupo Overdose HQ em 13/08/2014.

No dia 12/08/2014, eu estava assistindo "Uma Família da Pesada" no canal FX, e a música de abertura: "Lois: Parece que hoje só o que se vê é violência em filmes e sexo na TV./Peter: Mas onde estão os bons e velhos costumes?/Todos: Que costumávamos ver?", me fez pensar na violência nos quadrinhos (na verdade, já estava pensando nisso bem antes, mas a música me ajudara a refletir sobre minha proposta de resenha de hoje).


Há alguns dias atrás eu cheguei a ler uma matéria no Terra Zero que falava sobre a tendência da DC Comics ser a Marvel, perdendo um pouco da própria identidade. Isso, porque a Marvel nunca se curvou, totalmente, ao Comic Code. As criações de personagens como Justiceiro e Motoqueiro Fantasmas e as publicações de Tomb of Dracula, são bons exemplos disso. A Marvel Comics não vinha os quadrinhos como algo restrito somente ao público infantil, mas também para o público jovem e, porque não, adulto.
Mas nem por isso, a DC Comics ficou atrás, pois na década de 1970 contratou o roteirista Dennys O'Neil, que trouxe uma visão mais aprimorada do personagens da editora, sem ferir - muito - o Comics Code. Criticas políticas, abuso de drogas, ecoterrorismo. Dennys O'Neil, junto com o desenhista Neal Adams, retiraram alguns personagens da DC Comics de uma época de "inocência", mais para perto da realidade. batman_the_dark_knight_returns__1986_1st_printing__4_Daí então veio a Era Moderna dos quadrinhos, com Watchmen e Batman: O Cavaleiro das Trevas. Ambas as histórias se encontravam em um contexto mais adulto dos quadrinhos.
A primeira, escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, conta como seria a década de 1980 com heróis vivendo entre nós. O que modificaria? Como viveríamos? Até aonde dependeríamos deles? Ou mesmo se os aceitaríamos? Em meio a isso, existe a morte de um desses vigilantes e uma investigação que termina em um plano mirabolante.
Já a segunda, escrita e desenhada por Frank Miller, conta a história de um Batman bem mais velho e aposentado, que após ver como o mundo ficou sem os heróis, decide retornar a ação e enfrentar a criminalidade, motivando outros a vestirem trajes novamente para ajudá-lo ou enfrentá-lo. Ao final da minissérie vemos um embate no qual nenhum outro roteirista ou desenhista (nas décadas anteriores aos anos de 1980) havia retratado de forma tão grandiosa. Ambas possuem cenas extremamente violentas, mas desde seu começo, foram tratadas como histórias de conteúdo adulto. Mesmo posterior a essas histórias, as mensais da DC Comics, voltadas para o público em geral, mantinham um conteúdo mais moderado. Mesmo com cenas violentas, elas não eram explícitas, e os personagens que, em geral, perpetravam esse tipo de violência, eram vilões ou anti-heróis, mas como eu disse, nada era explícito. O expressionismo violento dessa época, nós vemos explicitamente em morte em famíliaMorte em Família, onde o Robin (Jason Todd) é agrededido violentamente pelo Coringa e deixado para morrer, o que ocorre após a explosão do local onde se encontram ele e sua mãe. Foi o extremo de violência na década de 1980, na tentativa de chocar as pessoas que haviam decidido matar Jason Todd.
Passada a década de 1980, entramos na década de 1990, e logo no começo dessa década um grupo de desenhistas e roteiristas (a maioria aspirante a roteirista) decidem abandonar a Marvel Comics e iniciar a Image Comics. As influências que essa empresa ditou nessa época, fez cair, e muito, a qualidade dos quadrinhos das grandes editoras (neste caso, DC Comics e Marvel Comics), mas nem por isso a violência excessiva era retratada. Então a DC Comics cria o selo Vertigo Comics, onde histórias mais autorais e de conteúdo um pouco diferenciado de suas mensais, eram publicados. Ali surgiram o universo do Sandman de Neil Gaiman, John Constantine, criado por Alan Moore, que teve histórias escritas por Garth Ennis, Jamie Delano, e tantos outros, e vários outros trabalhos de grandes escritores. O conteúdo tinha censura, nas quais somente pessoas adultas poderiam consumí-lo, deixando as mensais mais... amenas. E olhas que chegamos a ver histórias bem brutais nos quadrinhos, epidemias, catastrofes, mas nada era tão explícito, nada era brutal demais. Mas chegamos ao ano 2000 e, posteriormente, ao século XXI. As mudanças - pelo menos para mim, que sou DCnauta - começaram a surgir na minissérie crise de identidade"Crise de Identidade", onde vemos Sue Dibny, esposa do personagem Ralph Dibny, o Homem-Elástico, ser brutalmente assassinada, uma cena dela sendo violentada (como assim?) e, de forma mais explicita ainda, vemos o Capitão Bumerangue levar um tiro de Jack Drake e matá-lo com um bumerague de lâminas afiadas (WTF???), e para piorar, as pessoas considerarem isso bonito, isso legal de se ver em uma revista para o público em geral.
Podem me acusar de falso puritanismo, de retrógrado e tal, mas não consigo aceitar isso assim. Logo após a morte de Sue Dibny, vemos uma sequência de acontecimentos que deixariam qualquer fã dos quadrinhos das décadas de 1970 e 1980 perplexos, como lobotomia por parte dos super-heróis em colegas e vilões, e mais excesso de violência desnecessária, como crise infinitaMaxwell Lord disparando na cabeça do Besouro Azul ou mesmo Mulher Maravilha quebrando o pescoço de Maxwell Lord. Isso em quadrinhos mensais, no qual crianças e adolescentes podem ter acesso, facilmente. Alguns falam: "Acabou a Era da Inocência", e outros esbravejam: "Precisamos de mais realidade nos quadrinhos"... Peraí, deve existir um limite, acredito eu.
Eu sou fã dos personagens anti-heróis. Gosto muito do Wolverine, do Justiceiro, da Marvel. Nunca achei que Exterminador fosse um vilão, pois ele é um mercenário, trabalha para quem lhe pagar mais, sendo assim, Wolfman e Pérez criaram um anti-herói que tinha raiva mortal dos Titãs por causa de seu filho. A degradação dos super-heróis da DC Comics foi gritante, pois o que ocorreu em Crise de Identidade não foi uma humanização deles, mas uma brutalização descarada.
Então surge Crise Infinita, que nos traz de volta Jason Todd, o Robin execrado e morto pelos fãs do Homem-Morcego. O personagem é totalmente o oposto de tudo que o Batman desejou de todos os Robin que ficaram sobre sua tutela. Ele mata sem dó e nem piedade, não tem obediência aos ensinamentos do Cavaleiro das Trevas... e ele é adorado por muitos por causa disso... Sério isso. Tudo bem que seu assassinato foi, de certa forma bem violento, mas por isso o personagem deve se tornar um agressor, um contraventor. Alguns o consideram como um anti-herói, mas somente o fato de o trazerem de volta já ficou ambíguo.
Mas isso não para aí, pois entramos em Batman e Filho, de Grant Morrison, onde o roteirista escocês traz a tona uma história antiga do Batman, que até então era considerada como um de um universo paralelo, pois o Batman aceita as ações de Ra's Al Ghul, somente por causa de seu amor à Talia (totalmente "coisa de outro mundo"). Sendo assim, surge Damian Head, filho de Bruce e Talia. batman-damian-wayne-spookO garoto é irascível, metido, arrogante e deseja tomar o lugar de Timothy Drake como Robin à força, quase matando o protegido de seu pai, pois esse segue as regras impostas por Bruce, como Dick fizera antes dele. Só por causa disso, muitos consideram Timothy um babaquinha puxa-saco e Damian o máximo... como assim? A inversão de valores, a cada dia que passa se torna mais clara e evidente. O Batman sempre prezou pela vida humana, acreditando que mesmo que ele aja de forma a punir os criminosos, não se deve matá-los, nunca deve-se rebaixar ao nível dos criminosos. Existem meios de persuadí-los, sem causar suas mortes, sem chegar a esse extremo, e somente porque Timothy segue essas ideias do Batman, ele não é bom? O garoto é um gênio, primeiramente (estou falando do Timothy antes de Novos 52, não esse reflexo de espelho que anda circulando nos quadrinhos desde 2011), segundo é o terceiro maior detetive do universo DC, pois sozinho descobriu a identidade do Batman e do Asa Noturna, encarou Lady Shiva, por quem foi treinado, durante o processo de aprendizagem, antes de usar o traje do Robin. Encarou o Coringa, teve de aguentar Jean Paul Valley e sua forma nada ortodoxa de ação, encarou uma epidemia e sobreviveu à ela, derrotou o Anarquia em uma batalha virtual e depois cara a cara, e somente por não ser mais agressivo e não agir fora dos métodos adotados pelo Batman, ele é um inútil? Façam-me um grande favor, revejam seus valores, pois dessa forma a sociedade está condenada.
Para piorar, depois da reformulação que a DC Comics sofreu, as coisas se tornaram mais explicitas, mais pútridas. Cenas que antigamente apareceriam de perfil ou em sombras, ficam estampadas de forma a perturbar.
Entendam, eu não ligo para a cruez da realidade em histórias em quadrinhos. Pelo contrário, idolatro (isso mesmo!) Watchmen e Cavaleiro das Trevas, estou fascinado por 100 Balas. acho Kick Ass um trabalho arrebatador, mas quando vejo essa mesma violência em quadrinhos cujo acesso pode ser o filho de alguém, eu me preocupo. Não que eu deseje esconder das crianças a realidade, não é isso, mas já vivemos em um mundo onde a era digital tomou conta de toda a forma de informação e estamos expostos a todo e qualquer conteúdo, mesmo que não queiramos, as vezes, então quando penso em quadrinhos, torço e espero encontrar uma fuga, algo irreal, lúdico, onde um super-herói salva uma pessoa, mas não precisa fazer uma lavagem cerebral em outro super-herói para esconder dele a verdade. Chega a ser ironia ver pessoas que criticam o filme "O Homem de Aço", falando que Novos 52 é bom, que o Batman de Thomas Wayne Ponto de Ignição é melhor Batman do que Bruce Wayne, de que Damian Wayne e Jason Todd são ótimos Robin, é por aí vai.
Eu falo da DC Comics, pois como disse acima, sou DCnauta, mas vemos isso em história da Image Comics, como Invencible, por exemplo.
Isso é o meu ponto de vista, essa é a minha forma de pensar, não quero que ninguém pense como eu, mas que pelo menos reflita. Eu sei que a realidade e crua e a violência vemos na televisão, na internet, no cinema e em quadrinhos adultos, mas será que é mesmo necessária essa exposição?

Um comentário:

  1. Primeiramente, excelente texto, sr. André, de longe, foi o texto do sr que eu mais gostei desde que o sr abriu esse blog, quase sempre que vejo a atualização, venho ler. O que o sr escreveu tem fundamento, e concordo em muitas partes, principalmente na qual "críticos" do Homem de Aço do Zack Snyder (que particularmente, acho um excelente filme, um dos melhores feito sobre HQ até hoje) elogiarem personagens assim. Acontece que existem as mudanças de público de acordo com a tendencia, e ao que tudo indica, pelo menos desde 2008 a mídia em geral (em especial séries, capitaneado por Breaking Bad), e em geral algo assim repercute entre outros meios. Eu li essa "Crise de Identidade", lembro de muito pouca coisa, e ainda não cheguei a ler a conclusão por causa de arquivo corrompido, mas lembro de ser bem interessante mesmo, os herois, dão exemplo, mas ainda assim são falhos, Watchmen ensinou isso muito bem, daí a sua grandeza. É claro que eu gosto, e muito de obras que exaltam o que há de melhor no espirito humano como "Super-Homem Grandes Astros", mas justamente histórias mais criveis representam que os quadrinhos deixaram de obter a simplicidade maniqueísta previsível e passou a possuir histórias que nós podemos cada vez debater sobre suas diversas perspectivas, e isso na minha visão, enriquece e muito uma leitura.

    ResponderExcluir